Em agosto de 1932, Stalin, de férias em Sochi, enviou um memorando com suas opiniões sobre as inscrições relacionadas ao concurso para a construção do Palácio dos Sovietes, o monumento - que nunca foi construído - para Lenin e para o centro do governo. Neste memorando, ele escolheu seu desenho preferido, um "bolo de casamento colossal" com uma estátua de Lenin de 260 pés (79 metros) no topo, projetado por Boris Iofan. Pouco mais de 80 anos depois, Sochi novamente sediou os caprichos arquitetônicos de um poderoso líder russo para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Uma simplificação exagerada? Provavelmente. Mas com uma boa simetria.
Arquitetura sempre foi a melhor maneira para ideologias deixarem suas marcas, e a Rússia é um dos melhores lugares do mundo para se observar isso. Os últimos dois séculos têm visto a Rússia transitando entre, não apenas as formas de governo (autocracia czarista para a República de curta duração, em seguida para o sistema soviético e depois voltando para a República), mas também entre tons de governo, que é influência importante no legado arquitetônico desse período. O estilo russo do renascimento da década de 1880 são impensáveis apenas 30 anos antes, também a grandeza do estilo stalinista faria pouco sentido no degelo Khrushchev.
Na verdade, de acordo com Sergei Medvedev, isto pode ser formalizado em 22 períodos da cultura russa [1], alternando entre o que ele chama de cultura "vertical" e cultura "horizontal". Os períodos "horizontais" são tempos de liberalismo relativo e são caracterizados por estilos arquitetônicos que enfatizam o horizonte: as linhas rígidas do neo-classicismo, as formas geométricas do construtivismo, e assim por diante. Este aspecto horizontal da arquitetura não exclui edifícios altos, mas enfatiza espaço e o aspecto humano da arquitetura; o vidro e abertura do construtivismo. A era 'vertical', por sua vez, é mais repressiva e grandiosa; as influências góticas e neo-bizantinas de meados do século XIX e, claro, o Stalinismo; o ponto alto da verticalidade.
Este é, provavelmente, não é a melhor forma de analisar adequadamente ou entender a cultura russa, mas requer um entendimento de que o espaço é compreendido de uma forma muito diferente na Rússia. Por exemplo, estes aspectos da arquitetura poderiam muito bem ser estendidos à um desejo social para uma sociedade mais igualitária - uma sociedade horizontal - ou uma maior importância dada sobre o valor das hierarquias e estabilidade em sua cultura vertical.
Analisando o Palácio dos Sovietes, tudo nele é projetado para chamar a atenção para o alto; as colunatas tiveram suas coberturas arrancadas e substituídas por medidas que imitam a forma do edifício, um zigurate de pilares, culminando com uma estátua de Lenin exultante apontando para cima. Segundo Medvedev, este exercício de verticalidade se assemelha muito com a Catedral de Cristo Salvador substituída e finalizada em 1883, como a Igreja Ortodoxa mais alta do mundo. Ambos edifícios são fortemente verticais, não apenas no design, mas também na filosofia; a hierárquica Igreja Ortodoxa Russa do final do século XIX era uma igreja do estado que estava em contraste com a popular espiritualidade não-conformista, e o Palácio dos Sovietes foi planejado para abrigar não apenas os representantes da Rússia Soviética, mas também os órgãos de governo; literalmente o povo subordinado ao governo hierárquico.
Não é tão ridículo quanto parece sugerir uma relação entre estes dois edifícios - hostilidade marxista à religião é conhecida graças à popularidade do "ópio das massas" mas a cultura soviética está cheia dessa ideia de "religiões associadas", em vez de destruí-las completamente. As estrelas comunistas foram levantadas no lugar das cruzes nas igrejas, por exemplo, Sergei Eisenstein, o famoso cineasta revolucionário, foi tão longe para fazer um filme onde os comunistas que saqueiam uma igreja são filmados em poses explicitamente religiosas, com suas cabeças substituindo as dos santos nas molduras agora vazias. A mensagem é bastante clara: as pessoas são os novos santos. Esta é uma mensagem claramente anti-hierárquica, é claro, e não é nenhuma surpresa que este filme foi rapidamente reprimido pelas autoridades na cultura 'vertical' do final dos anos 1930 - e nem é surpreendente que a ideia das pessoas como novos santos foi substituída por retratos de Lenin e Stalin pendurados como ícones religiosos.
Olhando para arquitetura russa contemporânea e para o urbanismo, é possível uma grande familiaridade. A fundação do imponente Palácio dos Sovietes - claro, nunca construído - eventualmente, tornou-se uma piscina pública sob Khrushchev (um conceito que é distintamente "horizontal" em design e propósito) mas ela também foi substituída por uma reconstrução quase direta da Catedral de Cristo Salvador, consagrada em 2000 e rapidamente utilizada para canonizar o último Czar Nicolau II, e sua família. Isso não só indica uma tendência à volta para arquitetura e cultura vertical, que dá peso ao argumento de alguns estudiosos, por exemplo Sergey Selyanov [2], que defendem a ideia de que a consciência da Rússia é baseada em uma missão religiosa e um único lugar no mundo, o que, por vezes, fica presa à tentação de quem está no poder: Pedro, o Grande e a Rússia Européia do século XVIII e início do XIX incorporaram a Igreja Ortodoxa, que era considerada o último remanescente 'verdadeiro' da Igreja após a queda da Igreja Ortodoxa bizantina e do Estado; a União Soviética no início da sua "fé associada" em seguida tentou transcendê-la inteiramente a favor de uma crença em um novo futuro brilhante socialista. A fé do povo transfere a missão nacional para a fé no estado. Isto associa-se muito bem a ideia da arquitetura repressiva e liberal, e se encaixa com acontecimentos na Rússia enquanto Putin está no poder.
Com crises diplomáticas no Oriente Médio e no Leste Europeu e sanções dirigindo uma cunha entre o Ocidente e a Rússia, e as recentes leis promulgadas para a preservação de "valores tradicionais da família", bem como a melhora dramática das relações entre a Igreja Ortodoxa Russa e o Kremlin (com 23.000 Igrejas sendo reconstruídas sob a liderança de Putin) indicam que Putin poderia muito bem ser a tentativa de ressuscitar a Rússia como uma identidade cultural única, com uma missão nacional. Como resultado, temos a arquitetura do renascimento de Sochi, utilizando os tons pastel do Peterine barroco e coberturas de estilo imperial como uma indicação visual da missão. Em paralelo, temos os arranha-céus no International Business Centre de Moscou, desenvolvido em outras partes da Rússia, indicando o olhar para o alto e apontando para o céu. Esta é, naturalmente a ideia de Medvedev para as alturas extremas, mas também como parte de outras tendências que poderiam indicar uma reorientação para a cultura vertical, grande, imponente e desempenhar um papel mais amplo no debate em torno do espaço público nos novos desenvolvimentos. Além de tudo isso, o rápido desenvolvimento tem atraído críticas por refazer a cara de Moscou. Esta não é a primeira vez que foram feitas tentativas para refazer Moscou, e isto, de fato, não é necessariamente uma coisa má; muitas cidades foram totalmente reconstruídas. Mas fala-se de um renovado senso nacionalista, bem como uma forte autoridade central.
A substituição do construtivismo liberal - todas as paredes de vidro e transparência, barreiras derrubadas e espaços abertos - pelo stalinismo não era pura ideologia; francamente, muitos dos edifícios construtivistas não foram bem projetados para o que eram, mas isto anunciou uma mudança na direção da Rússia. Há alguma mudança semelhante que pode ser observada na arquitetura russa de hoje?
[1] Medvedev, S., 'Russian History in 22 Periods' in Smith, J., Beyond the Limits: The Concept of Space in Russian History and Culture, (1999)
[2] Selyanov, S., The Russian Idea, (1996)